Poço Comprido | VICÊNCIA e seus 90 anos!
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VICÊNCIA e seus 90 anos!

VICÊNCIA e seus 90 anos!

 

As cidades são pessoas, são coletividade de imagens e de formas, mas também são registros de lutas e de resistência face aos movimentos que ocorrem durante sua invenção. A cidade não surge assim pronta, para ser ela precisa percorrer uma trajetória importante visitando movimentos, pessoas, fatos e dados muitas vezes esquecidos por questões propositais tão recorrentes nas políticas de esquecimento. A cidade também é um amontoado de memória que vive gritando suas experiências a cada construção erguida ou cada manifestação cultural extinta. Foi assim lá atrás, não é diferente hoje! Logicamente a cidade vai mudando e se sobrepondo no espaço e no tempo de modo que ela não é a mesma. Em 90 anos, Vicência ampliou seus limites, agregou outros, devolveu território, serviu de palco para alguns movimentos políticos, foi rota de comerciantes e pátria para aqueles que quiseram se aventurar longe de suas terras. O fio condutor dessa história é a memória. A memória é mãe da história e para falar desta cidade seria necessário, certamente, longos momentos importantes como este, porém, como não dá, precisamos recortar muitas coisas de modo que se mantenha a inteligibilidade do fato para que não se perda na narrativa e desconecte o interlocutor desse exercicio de cidadania.

Como todas as outras cidades, Vicência, surgiu em um contexto de transformações econômicas, culturais e sociais contemporâneos aos acontecimentos no mundo. Sobre “Sá Vicência” é verdade que este nome foi uma homenagem a distinta Vicência Barbosa de Mello, viúva e que tinha proporiedade na região cujo engenho também pudera ser em sua homenagem. Não discordo do caráter misterioso que ela tem, mas ainda é um paradigma na história desta cidade, deste município. A região que conhecemos hoje por Vicência não tinha um limite municipal definido, era um conjunto de engenhos e propriedades policultoras que proviam o desenvolvimento de suas terras e aviar o lucros do açúcar para o governo. Por causa do Rio Siriji, desde o século 16 vinha sendo introduzido expedições para ocupar as terras as margens do rio Tracunhaém e Capibaribe Mirim, e atingiam mais tarde o Siriji com a implementação de Currais e engenhos de açúcar. Diogo Dias tinha carta de sesmarias no vale do Tracunhaém e dali passou a impulsionar a ocupação da região desse rio; André Vidal de Negreiros recebeu o Vale do Capibaribe Mirim e Siriji para o mesmo objetivo de modo que nesse momento, após a expulsão dos holandeses, começa o desenvolvimento mais acelerado para o Interior conhecido como os sertões. Essa fase impulsionada pelo mercantilismo, sistema econômico vigente na época, colaborou muito para essas invasões, que por falta de um controle cental na antiga capitania de Itamaracá houveram conflitos entre nativos e portugueses e extração desordenada de madeira de toda sorte desses vales como o estabelecimento de vivendas.
Mais tarde, por volta de 1713, já temos o Engenho Poço Comprido pulsante em pleno desenvolvimento. Originada de uma sesmaria maior até então pouco conhecida mas que seus proprietários estao ligados a Goiana a poção de Poço Comprido foi desmembrada para formar outros engenhos. Ainda no século 18 acontecerá maior movimentação para a ocupação desses sertões impulsionado pela doação da sesmaria de Laranjeiras pelo governo de Pernambuco, isso se dá a partir da anexação da capitania de Itamaracá.
Assim, o município de Vicência foi se construindo primeiro como lugarejo nomeado como Santana do Serigy, como consta nos anúncios de vendas de terra publicados no diário de Pernambuco no século XIX e só a partir do declínio de Laranjeiras como freguesia (Instalada em 1824 foi a primeira freguesia do Vale) o que viria ser município ganhou mais força e cresceu face a política dos senhores de engenho e exploração da mão de obra escravizada e a grande circulação de almocreves dado importante para entendermos os surgimentos de cidades como esta a partir do comércio. As feiras livres criadas nessas localidades contribuíram para o desenvolvimento local, pois aumentou a intensidade da circulação de mercadores para Goiana e nesse caminho o aumento de tais feiras como a de Tupaoca, além de ser um querer dos poderes locais, ajudou a povoar uma parte do Siriji e de maneira se criou um comércio na freguesia de Santana da Vicência como aparece em 1852. As décadas de 1850 a 1870 serão importantes, porque neste período ocorrerá a reforma da primitiva capela por ordem de Caetano de Messina e sob a supervisão de João Crisóstomo tendo concluído a obra em 1859 – que estava em missões pela região; A construção do cemitério público também data do séc XIX e mais tarde, em 1879 é criada a freguesia de Santana da Vicência com território que ia desde os limites com Bom Jardim, Cruangi e se desmembrava de Tracunhaém com novos limites até Nossa senhora da Conceição de Nazaré. Lá a classe política de Vicência se estabelecia na câmara e deliberava seus interesses. Fazia parte do território, Angélicas, sob a invocação de Nossa senhora do Rosário que aparece como distrito com certa importância. Desta maneira em 1882 é instalada a freguesia com a nomeação do primeiro vigário o padre Donato Barruco e que havia sido iniciada três anos antes.

Com esse crescimento não demorou para os interessados pela freguesia, cuja maior riqueza era ostentar possuir a melhor faixa de terra do estado, o Vale do Siriji, solicitaram ao governo o reconhecimento desse território como município autônomo de Nazaré. Assim se fez, o governo reconhece em 1891 o lugar e “eleva a categoria de vila e município” instalada em 14 de julho tendo como prefeito, João Barbosa de Mello. Em 1894 foi revogada a autonomia do município e Vicência volta a pertencer a Nazaré. Durante esse período os políticos locais protestaram de maneira que conseguiram em 1928 a emancipação definitiva por ter apoio de Estácio Coimbra. Seu primeiro prefeito constitucional foi Júlio de Andrade Lima que governou até o golpe de 1930 quando foi substituído pelo interventor do estado por Benjamin da Costa Azevedo, da Usina Barra. Esse contexto é interessante porque nele Angélicas perde o posto de distrito para Murupé que se desenvolvia aceleradamente face ao atraso e decadência de Angélicas, assim se fez, em 1932 foi modificado os termos elevava Sapé (antigo nome) a condição de distrito.

Nomes como o de Estefânia Carneiro da Cunha e Padre Guedes, são lembrados constantemente, são pessoas que promoveram a educação no município acreditando que a educação era e é o caminho para uma cidadania plena e participativa, para isso foi criada uma escola para meninos pobres em 1916. As memórias existentes desse tempo estão sendo lentamente esquecidas porque essas políticas de memória nesses lugares não tem peso e também é um projeto político de perpetuação dos poderes locais. Apesar das dificuldades constantes em setores sociais e culturais, de um apelo à manutenção e constante construção da história local, nosso município celebra 90 anos com grandes perdas como o cinema, a linha férrea que, embora requerida pelos proprietários locais, nunca chegou, dos controles oligárquicos ao longo do tempo não permitindo uma revolução do esclarecimento do que existe para além do Mascarenhas pois ainda sofremos com o esforço pela autonomia do nosso povo e direitos inalienáveis que é fulcro de um sociedade capaz de fazer uma leitura crítica da suas realidades. Os ganhos também são celebrados, a manutenção de um lugar como este não é fácil, a história mostra isso, ganhos na educação, na saúde, no transporte, na cultura e no desenvolvimento humano. E para lembrar o motivo maior pelo qual a cidade e o município existe quero lembrar do Rio Siriji, flumem de extrema importância e motivo de orgulho para a região e que nesse meio de discussão histórica é esquecido. Lembrar de Vicência é lembrar também de seus recursos naturais, de seu rio, do que resta de suas florestas… O rio está morrendo e nós temos parte nisso. Sem o Siriji certamente não existiria esta cidade. Parabéns Vicência.

Uenes Gomes Barbosa
pesquisador do Rio Siriji.

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